Nos primeiros 120 dias de 2019, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) em Minas flagrou um veículo acima da velocidade a cada dois minutos e meio nas estradas que cortam o estado. Os quase 72 mil flagrantes de condutores dirigindo acima do limite permitido foram obtidos a partir da operação de apenas 23 radares móveis, dispositivos de fiscalização eletrônica que entraram na mira do presidente Jair Bolsonaro (PSL). Depois de anunciar a intenção de não autorizar contratos de cerca de 8 mil aparelhos fixos, Bolsonaro sinalizou que pretende acabar com equipamentos móveis que operam no Brasil – 186 ao todo.

A afirmação ocorre em um contexto no qual acidentes por excesso de velocidade ocupam o segundo posto no ranking dos motivos que levaram a colisões nas BRs mineiras em 2018 (veja infográfico). Foram 1.844 ocorrências por esse motivo, ou 21% do total, causa que perde apenas para a falta de atenção, que gerou 2.722 dos 8.741 desastres automobilísticos no ano passado. Para policiais rodoviários e especialistas, a intenção de restringir o uso de radares vai na contramão das ações necessárias para promover mais segurança no trânsito. Entre os flagrantes que a PRF em Minas acumula, há exemplos de veículos a mais de 200 km/h. A velocidade excessiva é diretamente proporcional à gravidade dos danos em caso de acidente.

Os números dos radares móveis em Minas Gerais apontam aumento vertiginoso entre 2017 e 2018. No período, os flagrantes de excesso de velocidade passaram de 178.459 para 274.484, crescimento de 53,8%. Não significa que essa quantidade de registros se transformou efetivamente em multa, pois as imagens captadas pelos equipamentos precisam cumprir uma série de requisitos técnicos para que a punição seja efetivada. 

Em 2019 há uma indicação de queda, pois os 71.885 carros, motos, ônibus e caminhões identificados acima da velocidade entre janeiro e abril deste ano representam média diária de 599 flagrantes, contra os 752 do ano anterior. Porém, o total de 2019 está 22,5% acima da média de 2017 e não considera meses que costumam representar aumento no movimento das estradas, como os das férias escolares de julho e dezembro.

Há pouco mais de uma semana Bolsonaro disse, ao cumprir agenda externa no estado do Paraná, que estava tratando com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, da ideia de acabar com os radares móveis. “Queremos acabar com os radares móveis também, que são uma armadilha para pegar os motoristas”, disse o presidente. Antes de falar sobre os equipamentos móveis que ficam a cargo da PRF – corporação subordinada ao Ministério da Justiça –, Bolsonaro já havia divulgado a intenção de cancelar 8 mil solicitações para instalação de aparelhos fixos de medição de velocidade, popularmente conhecidos como pardais, de responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Nesse último caso, a Justiça determinou que o governo federal não retire radares de rodovias, e cobrou estudos para justificar evetual fim dos controladores de velocidade.

VOANDO BAIXO Em Minas Gerais, a informação da PRF é de que as 18 delegacias que têm responsabilidade de fiscalizar as BRs que cortam o estado operam radares de acordo com os pontos que normalmente concentram acidentes ou em que é comum a incidência da alta velocidade. Uma das rodovias em que isso ocorre é a BR-262, trecho duplicado que vai da Grande BH até Nova Serrana, em que é rotineiro o abuso da velocidade, segundo a corporação. Um dos flagrantes feitos pelo Grupo de Fiscalização de Trânsito da Delegacia Metropolitana, por exemplo, apontou um veículo a 219km/h na operação de Natal de 2018.

O coordenador do Núcleo de Logística da Fundação Dom Cabral, Paulo Resende, aponta que é arriscado abrir mão da fiscalização eletrônica, levando em consideração a experiência internacional de que os radares são mecanismos garantidos há décadas como inibidores de velocidade. Resende destaca que, se fosse possível limitar as consequências do excesso de velocidade ao próprio condutor, poderia ser admitida a possibilidade de minimizar o uso de radar, mas não é esse o caso. “O fato é que o bem-estar social vem acima na via pública. O radar como inibidor de velocidade não está prestando um desserviço ao motorista, ele está prestando um serviço à sociedade”, afirma.

Porém, o especialista pontua que existe diferença entre os radares fixos e móveis. Enquanto os primeiros devem ser dispostos segundo estudos técnicos, como prevê o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), não existe um protocolo claro que explique os critérios usados para operação dos radares móveis, o que gera dúvidas e abre espaço para questionamentos relacionados à chamada “indústria da multa”.

Ele pondera, inclusive, que a opinião de Jair Bolsonaro pode ter levado em conta principalmente os radares móveis, mas avalia que o presidente acabou colocando todos os tipos na mesma discussão. “Acredito que está faltando mais transparência de expor os protocolos para decidir onde usar os equipamentos móveis. Hoje, o que temos são opiniões subjetivas de todos os lados. Não vi até agora uma discussão técnica sobre esse assunto, então acho que temos que tornar esse debate objetivo”, acrescenta. Apesar da ponderação, Resende defende o uso dos dois tipos de aparelhos, seguindo o que acontece no resto do mundo. “Deixar que a população decida a velocidade que quer praticar é um risco muito grande”, completa.

REPERCUSSÃO Para o presidente do Sindicato dos Policiais Rodoviários Federais de Minas Gerais, José Henrique dos Santos, eventual desativação de radares móveis seria uma decisão equivocada, porque os equipamentos e a sinalização, afirma, vêm para coibir os excessos e as mortes. “O Brasil é recordista em número de acidentes e mortos, então, nesse sentido entendemos que é uma decisão equivocada. Imagino que essa situação precisa ser mais bem explicada ao presidente”, diz o sindicalista.

O dirigente sindical rebate o argumento da chamada “indústria de multas”. “Esses valores (pagos pelos motoristas infratores) vão para o tesouro central. A PRF não aumenta seu orçamento em função de multas. A função primordial do radar é salvar vidas, evitar acidentes. Não há nesse sentido nenhuma intenção em produtividade para onerar o cidadão. A questão é que, se pela educação e sinalização o motorista não diminui a velocidade e pessoas continuam a morrer, é preciso atuar na fiscalização”, completa.

O vice-presidente da Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais, Dovercino Neto, avalia que o uso das tecnologias na fiscalização é fundamental para a redução do alto número de acidentes e mortes no trânsito. Segundo ele, as maiores nações do mundo usam o controle de velocidade com radar para tentar reduzir a mortalidade no trânsito. “Não podemos ir na contramão, sobretudo quando o Brasil ainda tem números tão alarmantes de mortes no trânsito, muitas das quais decorrem do abuso de velocidade. A fiscalização pode e deve ser aprimorada. Não temos como concordar com a eliminação deste tipo de fiscalização. A missão maior dos policiais rodoviários é salvar vidas, e o uso adequado e técnico do radar é um dos meios capazes de concretizar essa missão”, diz Neto.

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Em nota, a PRF em Brasília informou que “é um órgão executor, vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, portanto, cumpre com a legislação vigente e as políticas públicas estabelecidas”.