Roberta* tem 40 anos e está grávida, mas o bebê que ela carrega na barriga está sendo gerado para um outro casal. “Eu gosto de dar um filho para quem não pode”, diz. A mulher é apenas uma das que se anuncia livremente pelas redes sociais como praticante da barriga de aluguel – um recurso que dessa forma ainda é proibido no Brasil –, e utilizam a internet para oferecer o “aluguel” da barriga para pagarem as dívidas, tratamentos ou por estarem desempregadas.

Todo ano, pelo menos 20 mil crianças no mundo inteiro nascem por esse mesmo método, segundo cálculos da ONG suíça International Social Security. Os números, porém, podem estar subestimados, uma vez que, no Brasil, a prática permitida é a da “barriga solidária” ou “doação temporária de útero”, ou seja, quando ocorre entre mulheres com algum vínculo afetivo e sem acordos financeiros.

No Facebook, por exemplo, o grupo “Quero ser barriga de aluguel” é público e tem 327 membros. A maioria são mulheres se oferecendo para gerar filhos de outros casais, seja heterossexuais ou homossexuais. Outro canal de negociação é o grupo fechado “Barriga de aluguel e solidária”, que tem cerca de 2.000 participantes. Os valores cobrados pelo uso do útero partem de R$ 10 mil, e ainda estão previstos os pagamentos com despesas como exames, tratamentos e uma renda mensal para a gestante.

O preço, segundo a mulher que já está na quarta gravidez por aluguel, é estipulado pelo casal que a procura. “Até hoje ninguém me pagou menos de R$ 100 mil. Nesta última estão me pagando R$ 120 mil e uma mensalidade de R$ 4.000”, diz.

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Moradora de São Paulo, Roberta* é enfermeira e explica por que optou por esse ‘negócio’. “A primeira vez foi para um casal gay muito amigo meu. A segunda foi para pagar o tratamento de câncer do meu marido. A terceira para pagar todas as dívidas que adquiri quando meu esposo estava doente. Essa quarta foi para dar entrada em minha casa”, conta.

A estudante de nutrição Patrícia*, 29, também já passou por duas experiências. “Na primeira vez que tive a oportunidade, eu tinha 19 anos. Foi para uma prima que não tinha útero. Recebi R$ 18 mil como ‘agradecimento’. Na segunda, foi apenas negócio mesmo. O valor pago foi de R$ 60 mil, mais os custos com a gravidez, roupas de gestante, medicação etc”, explica a estudante.

Apesar de topar o ‘negócio’, ela não enxerga como uma venda. “É uma doação. De tempo, de amor, de carinho e de dedicação, para uma família que não pode gerar o seu filho. Tudo nessa vida tem custos, e a quantia aplicada é referente aos cuidados durante e após a gravidez, que não são fáceis”, argumenta.

Riscos. As duas mulheres reconhecem os riscos envolvidos no procedimento, não só no que diz respeito aos aspectos jurídicos, como também em relação aos perigos à saúde. Ambas já se arriscam na inseminação caseira, quando a mulher injeta em casa o sêmen usando kits comprados em farmácia. Nesses casos, o bebê gerado é também filho das “mães de aluguel”. Mesmo assim, elas não demonstram arrependimento.

“O primeiro foi complicado, não a gravidez, mas o aleitamento. Ver o rosto (do bebê) e saber que ele não ficará com você! No segundo, sempre tive a certeza de que o bebê não era meu”, relata Patrícia*.

No caso de Roberta*, todos os bebês gerados também têm o DNA dela, inclusive o último, feito por inseminação artificial. Esse procedimento contou com a colaboração do próprio médico. “Na papelada foi dito que ele não usou meus óvulos, colocaram que os óvulos eram da mãe contratante, mas os óvulos são meus porque ela não tinha óvulo. Como o médico era amigo do casal, deu uma ‘ajudinha’ nessa parte”, conta.

Roberta* também diz ter um amiga que faleceu fazendo barriga de aluguel. “Acho arriscado, sim, sou enfermeira, trabalho na área da saúde e entendo muito bem os riscos”, reconhece. E ainda aponta outros perigos. “Tem de tudo nas redes sociais, mas poucos levam a sério. Uns querem sexo, uns querem ménage, com esses nem converso”, diz. 

(*Nomes fictícios)

Entenda. A maternidade por substituição, conhecida popularmente como barriga de aluguel, é um acordo em que uma mulher aceita engravidar com o objetivo de desenvolver e dar à luz uma criança a ser criada por outros.

Ambiente intrauterino pode modificar o DNA do feto

Um estudo publicado na revista científica “Development”, do Reino Unido, constatou que a gestante é capaz de modificar a genética do feto, mesmo quando a gravidez é gerada com óvulos e espermatozoides doados, como no caso de barrigas de aluguel.

A pesquisa investigou 20 mulheres em tratamento no grupo espanhol Instituto Valenciano de Infertilidade (IVI) em 2015, e descobriu que o fluido uterino contém material genético. Pela primeira vez, os cientistas mostraram que existe uma influência do ambiente intrauterino sobre o desenvolvimento genético do embrião, mesmo em caso de óvulos vindos de outra mulher.

Mesmo assim, mães que recebem óvulos doados para realizar o sonho de ter um filho se sentem muito mais confortáveis para o procedimento, segundo pesquisas. O IVI possui mais de 70 clínicas em 10 países, incluindo o Brasil.